segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Soldado do tempo

National Geographic

Quando as areias de Deus se movimentarem, irei despertar deste sono acordado. O processo está tão confuso, que os sentimentos vagueiam de maneira peculiar. Ou frenético, se achar melhor.

Sorte a minha que guardo a chave de marfim, onde está o segredo da nostalgia. Poucos vão entender o lado obscuro do Sol, a fim de clarear as idéias da lua. Poucos vão compreender a saudade.

Enquanto espero Chronos girar a roda, a chuva insiste em cair no meu quintal, alagando as azaléias vermelhas que cultivei na minha puberdade. Uma por uma, flor por flor, vão caindo. Até sobrar o céu cinza negrume.

São mais de três horas da manhã. Fantasio reflexos na parede. Olho para a direita e vejo a fiel companheira de solidão. Astuta. Me encara com os seus grandes olhos marrons noturnos. Se cansa de olhar e volta repousar em sua intrepidez. Como uma sentinela atenta a qualquer espia, jamais desgruda do canto da minha cama. Este mesmo lugar onde irei repousar minha fraqueza.

até breve...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Ampulheta


Eu sei o quanto estou vivendo, não me preocupo com o futuro e o passado.

Apenas me recordo pelas fotos e as outras imagens que estão na minha memória seletiva.

A cada dia vivo mais uma recordação cômica, séria, triste, não sei. Simplesmente vivo.

Sou poeira e o tempo é o vento, aos poucos sou levado a lugares jamais imaginados. Cada grão de areia são os segundos se passando de maneira veloz. Mas ao despertar deste imaginário me vejo perdido.

O que de real sobrou?

As rugas marcadas no meu rosto.

até breve

sábado, 5 de novembro de 2011

Primavera Solitária

Primavera solitária

Todo dia no mesmo caminho encontra-se Lúcia, parada em frente à sua casa, vendo o por do sol e observando o movimento do vai e vem das pessoas. Um dia ela fica na porta ou encostada no portão, mas sempre olhando para o lado e para o outro. Outro dia foi diferente, ela estava pintando seu portão de verde. Lúcia havia reparado que a tinta estava envelhecida pelo tempo e decidiu fazer o trabalho. Sozinha.

Domingo é o melhor dia para Lúcia. Vai à igreja com suas melhores roupas. Este é o dia do alívio, ocasião em que tenta apagar os fantasmas do passado. Consolo de uma vida a ermo, não por escolha dela, mas sim, de sua mãe. Sofia, ou melhor, Irmã Sofia, como era conhecida, faleceu e deixou a sua filha e uma casa para viverem sozinhas. Lúcia foi devota a sua mãe em todos os sentidos, opiniões e ideias. Respeito era fundamental. Não poderia ser diferente na escolha da religião, a maneira como se vestia, por aonde a mãe ia, ela a acompanhava. Afinal, para que serve uma filha sem impulsos, sem alternativas, a não ser para acompanhar a mãe em todos os lugares.

Sexo. Lúcia jamais fez sexo na vida. Ela descobriu o significado deste prazer, ao menos tenta desvendar, vendo as novelas que tanto adora. Tudo é novo e recente. Seu único livro de cabeceira é a Bíblia Sagrada, mas as coisas estão mudando de direção.

Sua primeira televisão foi muito tempo depois da morte de sua mãe. Quando irmã Sófia era viva dizia: “que televisão era pecado”. O olho do demônio habitava naquele quadrado negro. Após a morte de sua mãe, Lúcia continuou com este estigma. O medo de ir ao inferno ficou perpetuado em sua cabeça por um longo tempo. Mas quando fazia suas visitas esporádicas aos irmãos menos rigorosos foi descobrindo que ver os programas, novelas e noticiários não afetavam sua essência religiosa. Depois disso, comprou uma televisão de 14 polegadas e acompanha todas as novelas. Ficou viciada.

Vendo a mocinha com o mocinho, imagina como deve ser um beijo. Mas não um beijo simples, comum e ordinário. Deve ser aquele beijo, que molha o canto dos lábios, tira completamente o seu fôlego e te constrange por inteiro. Afinal, nunca beijou na vida graças às escolhas dos outros, sua única alternativa é sonhar.

Jamais podia contar esses ou outros desejos a sua mãe, era pecado. Irmã Sófia era uma fundamentalista a Palavra de Deus, seguia rigorosamente os preceitos bíblicos. Fora isso, não havia argumentação. Desde criança Lúcia acompanha sua mãe aos cultos. Foram 38 anos agindo da mesma forma, até que o último suspiro de sua mãe e suas últimas palavras foram:

- Não vejo à hora de encontrar o Salvador, eu não vim para este mundo.

Lúcia chora silenciosamente no quarto do hospital, ao mesmo tempo, os enfermeiros cobrem sua mãe. Ela reflete na situação e pensa: “Sozinha! Conheci meu pai apenas por fotografias, agora minha mãe se foi. Nem ao menos ela me tranquilizou em saber como será daqui para frente. Sua preocupação era a sua salvação, apenas isso.”

“O mês de setembro completa 12 anos desde a morte da mamãe. Período de isolamento involuntário, reclusa nas paredes branca do quarto e da sala. Se eu menos pudesse escolher o que queria para a minha vida”, Lúcia medita. A espera o por do sol lhe é confortante. É a hora de ver as pessoas.

Mas há vantagens em ter a solidão como companheira, outros sentidos aparecem. Lúcia vê minuciosamente como é o movimento das pessoas, as roupas, de uma maneira singular. O vestido roxo que aquela menina usa, não em um simples roxo, mas um violeta parecido com as flores que têm no meu jardim.

Diante disso, é incrível observar as mudanças da lua. Sua companheira de anos lhe revela um segredo que já não é mais novidade: a primavera já vem e com ela mais uma temporada de solidão, com ela as cores estão se renovando.

até breve...

O mundo e suas verdades....

Um casal deitado na cama se olha fixamente. Depois de uma transa intensa, a garota se levanta nua, vai até a escrivaninha pega um cigarro, acende. O cara a observa fumando, dando baforadas pelo ar. Ele pergunta:

- Quer brindar?

- A quê?

- Ao nada, ele é que nos conforta.

Se calam. Novamente se observam. A fumaça envolvem os olhos castanhos da garota. Ela dá a última baforada e apaga o cigarro no cinzeiro ao lado. Volta para a cama, deita no colchão e continua olhando para ele. O vazio ileso vai encobrindo os seus sentimentos.

até breve....